Em 1990 o My Bloody Valentine já havia tomado para si o posto de criador e representante maior do shoegaze graças ao lançamento, em 1988, de Isn’t anything. Por mais que se discuta o marco zero da cena que celebra a si mesma, é fato que a estreia oficial dos irlandeses remodelou a estética do barulho como forma de música. Ponto.
Fato também é que à época Kevin Shields, o cabeçudo líder da banda, queria ir além do que já havia criado. Perfeccionista e meticuloso, o Sr. Escudos mergulhava cada vez mais fundo no universo dos efeitos, estudando recortes, colagens e todas as formas de transcender sua própria criação.
Voltamos então a abril do ano citado no início deste texto. O My Bloody Valentine dava ao mundo a primeira mostra do que havia se tornado pós-Isn’t anything: era lançado via Creation (Europa) e Sire (EUA) em>Glider que…bem, outro dia falo sobre o disquinho. Porque hoje o que importa é a faixa de abertura do EP, a hipnótica “Soon”.
Tudo que foi escrito acima não tem o menor sentido, assim como não há fundamento em escrever qualquer coisa sobre as questões técnicas que envolvem “Soon”. O loop de bateria, as cascatas de distorção e os vocais oníricos não precisam de explicações, precisam ser sentidos como uma força única, um vórtex psicodélico e irresistível capaz de descolar a caixa craniana de seu conteúdo e levar a profundos estados de alteração da consciência.
A entrega a seus quase sete minutos deve ser completa, da primeira reverberação ao último eco, para que o efeito seja pleno. É necessário se perder em seu nevoeiro, se deixar levar a lugares desconhecidos, se confundir e estar fora do tempo e do espaço padrão; flutuar sem direção e sem medo, apenas deixando-a fluir para então entorpecer corpo, mente e alma.
Se nunca experimentou as sensações provocadas por “Soon”, aproveite este momento, se esqueça do que há ao redor e mergulhe fundo. Sua vida nunca mais será a mesma. Eu garanto.