Os anos 80 são conhecidos por algumas das maiores bizarrices musicais cometidas pelo homem. Como quando a new wave da turma de Nova Iorque deu lugar aos excessos de pink, laranja e roxo; guitarras foram substituídas por teclados; cabelos receberam doses generosas de fixador e passaram a crescer apenas atrás das cabeças e, finalmente, quando “True” do Spandau Balett chegou ao primeiro lugar nas paradas, o sinal amarelo piscou: alguma coisa precisava acontecer.
Claro, o submundo de bandas como Sonic Youth, Dinosaur Jr. e cia. fervilhava, mas o universo pop das melodias assobiáveis e canções apenas bacanas ia de mal a pior. E eis que exatamente na metade da década perdida os deuses do rock operam um milagre.
Esse milagre aconteceu quando Charles Thompson IV (aka Black Francis) e Joey Santiago, colegas de quarto na Universidade de Massachusetts decidiram montar uma banda. Após colocarem um anúncio em um jornal procurando “um baixista que goste de Hüsker Dü e Peter, Paul & Mary’, encontraram a pessoa certa para a vaga: uma jovem vinda de Ohio chamada Kim Deal, que indicou para as baquetas seu amigo David Lovering. Assim surgiu o Pixies.
Com pouco mais de um ano a banda abriu alguns shows dos conterrâneos Throwing Muses e na sequência gravou várias faixas, na mítica The Purple Tape. A tal fita caiu nas graças de Ivo Watts, chefe da gravadora 4AD, que resolveu lançar 8 dessas músicas em um EP chamado Come On Pilgrim, em 1987. E no mágico ano de 1988 finalmente os Pixies lançam, também pela 4AD, seu primeiro álbum cheio. Com 13 músicas divididas em pouco mais de meia hora, Surfer Rosa chegou para mudar a cara do rock alternativo e plantar as sementes de tudo que foi feito com honestidade – dentro e fora do mainstream – depois.
Nunca antes uma banda tinha colocado o underground e o pop tão próximos. Se no ano seguinte eles atingiriam definitivamente o grande público com Doolittle, seu disco de maior sucesso e que levou o college rock para além dos limites das rádios universitárias, com Surfer Rosa realizaram o casamento perfeito entre o nervosismo do punk rock, a brisa da surf music (Francis morou na Califórnia), as guitarras barulhentas do underground norte-americano, garrafas de tequila e direcionamento melódico, que influenciaria uma geração de bandas indie e faria de Kurt Cobain seu fã mais famoso.
“Bone machine” abre as portas de Surfer Rosa com a cozinha de David Lovering e Kim Deal (que aqui adotou o pseudônimo Mrs. John Murphy) preparando o terreno para o humor sacana de Black Francis entrar em cena. As letras do gorducho vocalista dos Pixies são um caso à parte: alienígenas, drogas, incesto, mutilação, religião e o México são alguns dos ingredientes do cozido surreal oferecido por ele aos fãs.
“Something against you” e “Broken face” trazem à tona o lado punk dos Pixies. Um punk meio torto, é verdade, mas ainda punk. Na primeira a gritaria, na segunda os agudos de Francis deixam a voz de Deal esperando a hora certa de entrar em cena. E essa hora chega na sequência.
“Gigantic”, talvez a melhor música dos anos 80, é pura Kim Deal. Na linha de baixo marcante com apenas seis notas, na voz doce e no refrão onde ela divide os vocais com Black Francis – uma das marcas registradas dos Pixies -, que pode ser conferida também em “River Euphrates”.
Com “Where is my mind” e sua viagem breaca aos mares do Caribe chegamos à metade de Surfer Rosa. E os Pixies alcançam o equilíbrio entre sua agressividade e suavidade melódica que traria depois canções como “Here comes your man” e “Dig for fire” (nos álbuns Doolittle e Bossanova).
Outra faixa emblemática do álbum é “Vamos” (que fez parte também do EP Come On Pilgrim), cantada em espanhol e inglês. Antes de montar a banda, Black Francis passou algum tempo em Porto Rico estudando espanhol e lapidando outra de suas muitas obsessões: a cultura chicana.
Fechando Surfer Rosa está “Brick is red”, que poderia muito bem estar no penúltimo álbum dos Pixies, o subestimado Bossanova. Clima de surf music e Joey Santiago abusando da guitarra.
A produção do álbum ficou por conta de Steve Albini (Nirvana, PJ Harvey, Fugazi), que arrancou da banda uma sonoridade crua e poderosa. A bateria quase tribal de Lovering – com a caixa seca sempre em primeiro plano – e o baixo pulsante de Deal se destacam, deixando para os riffs e solos do filipino Santiago a tarefa de fazer barulho. Em meio a tudo isso os vocais esganiçados de Black dão o toque final ao quadro surrealista que são suas letras.
E Surfer rosa – cuja bela capa traz a fotografia de ‘uma amiga de um amigo’ do grupo fazendo topless em posição de dançarina de flamenco – permanece como uma das grandes marcas na história do rock. Do já citado Kurt Cobain e seu Nirvana a Billy Corgan, passando por Arcade Fire até os pop punks dos 90s, todo mundo bebeu um pouco na fonte do primeiro e essencial disco dos Pixies.
Longa vida aos elfos! Longa vida Surfer rosa!
Cara, achei teu site bem casualmente, quando tava procurando por fotos do Best Coast pra ilustrar um post do meu blog. Li muita coisa e achei ótimo. Parabéns pelo trabalho muito bem-feito!
Valeu, Eric!
ótimo release…parabéns
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