Por Gabriel Leite (Mùsica Para Ler)
O sucesso é um fenômeno perigoso. Vem sem aviso, abala as estruturas dos envolvidos e pode ir embora tão ou mais rápido quanto chegou. Na virada de 1990 para 1991, o Fugazi experimentou deste: a turnê de promoção de Repeater, uma das estreias mais estrondosas da história da música, arrebanhou um séquito monumental de fãs e não demorou a chamar a atenção dos engravatados.
Contrariando as expectativas o quarteto de Washington DC manteve-se firme em suas convicções e preferiu seguir na Dischord, que, apesar de pequena, era território seguro e livre de cobranças mercadológicas.
Ainda assim, havia toda uma espera muda e ansiosa no habitat natural dos rapazes. O que estava por vir? Superaria o aclamado debute? Em julho de 1991 a curiosidade pode ser sanada na forma de Steady Diet of Nothing, um disco de nome estranho e capa simples.
Se a arte de Repeater ostentava o nome em letras garrafais, a de Steady Diet sequer o fazia na parte da frente, que contava apenas com uma imagem simples e um ‘Fugazi’ no canto superior esquerdo. Julgar um livro pela capa não costuma ser correto, mas nesse caso faz todo sentido. Basta dar play em “Exit Only”: cacofonia despretensiosa abrindo alas para riffs simples, bateria cadenciada e letra abstrata.
Suceder um trabalho prestigiado é sempre tarefa árdua, e, no caso do Fugazi, foi dificultada pela ausência de Ted Niceley, o produtor de Repeater. Ou seja, os caras acabaram tendo que se virar com o pouco conhecimento que tinham do assunto. Segundo Ian MacKaye, a mixagem foi especialmente complicada. Ninguém queria afetar a performance do colega, assim, Steady Diet acabou sendo mixado, em suas próprias palavras, ‘democraticamente’. Portanto, não há nada da sonoridade grandiosa da estreia.
Em vez disso, a banda enveredou por caminhos mais minimalistas, com a dupla Joe Lally (baixo) e Brendan Canty (bateria) se destacando muito mais que os riffs esparsos de MacKaye e Guy Picciotto. Talvez por isso o álbum se tornou um disco subestimado tanto pelos críticos quanto pelo próprio Fugazi. Mas eu digo que ambos os lados foram injustos. Afinal, um disco com a paulada visceral de “Reclamation”, o groove torto de “Stacks”, a bateria insana de “Latin Roots”, a beleza de “Long Division”, a dissonância de “Dear Justice Letter”, a tensão de “KYEO”, enfim, não pode ser desconsiderado. Essa capa desbotada esconde um álbum violento, catártico, desesperado e engajado. E, por isso – e também por ter sido meu primeiro disco de vinil lacrado –, tão bom ou até superior a Repeater.
Para terminar, a oportuna letra de “Reclamation”, uma das melhores músicas que já ouvi:
These are our demands –
We want control of our bodies
Decisions will now be ours
You’ll carry out your noble actions
We will carry our noble scars
No one here is asking
But there is a question of trust
You will do what look good to you on paper
We will do what we must