Volta e meia a imprensa musical elege alguém como salvador da pátria. Acontece no rock, na eletrônica, na mpb, no rap. Mas normalmente em pouco tempo o eleito perde o trono e outro Sassá Mutema é posto em seu lugar pelos mesmos críticos e jornalistas que o elegeram.
Quando os Racionais MCS lançaram Sobrevivendo no inferno, em 98, o rap saiu do gueto. Mano Brown e cia. se tornaram popstars e formadores de opinião que haviam ignorado Raio X do Brasil – melhor disco dos Racionais, de 93 – começaram a falar sobre ‘a voz da periferia’, a poesia e genialidade das letras. O resultado: antes que você possa dizer ‘clique, cléque, bum’, os playboys de Higienópolis passavam em seus carros ouvindo “Diário de um detento” com cara de mau e curtindo rap desde criancinha.
Passados todos esses anos, os Racionais foram esquecidos pela grande mídia e após Marcelo D2, Sabotage e Rappin’ Hood, a bola da vez na sinuca de bico do jornalismo cultural é o rapper Criolo.
Vindo do Grajaú, zona sul de SP e um dos lugares mais carentes de incentivos governamentais do Brasil, Criolo (batizado como Kleber Cavalcante Gomes) além de compor e cantar há anos já trabalhou como educador. Os reflexos dessa bagagem diferenciada em relação à maioria dos manos da área estão espalhados pelas rimas de seu segundo disco, o superestimado Nó na orelha.
Pera lá, Fabio Bridges. Superestimado? Sim, meu superego, superestimado.
Contando com produção de Daniel Ganjaman e Marcelo Cabral e com o selo de qualidade Instituto, Nó na orelha vem sendo alçado como grande disco brasileiro do ano por alguns colegas de profissão, o que é, no mínimo, um exagero.
Antes das pedradas, explico: não há no álbum nada de inovador, transformador ou catalisador de algum movimento cultural vindo da periferia de onde saiu Criolo. Ok, há a fusão do rap com outros diferentes ritmos, soul, reggae e samba, mas cá pra nós isso já foi até motivo de chacota em música do carioca De Leve, então qual o sabor que torna esse molho tão apetitoso?
A entonação do MC? Seu jeito malemolente de rimar? Uma mistura de Toni Garrido e Wison Simonal com sotaque paulistano, especialmente nas canções híbridas, quando a sombra da MPB encobre o rap – como na preferida da geral “Não existe amor em SP”. Dessas faixas feitas sob medida para agradar gente cabeça e moderninhos em geral se salva o bolero sem vergonha “Freguês da meia noite”, brega até os ossos e com cara de Waldick Soriano.
Quando não força a barra e põe o rap em primeiro plano, Criolo acerta em cheio. O peso de “Grajauex” e a multi referencial “Sucrilhos” são destaques por fugirem da fórmula mágica de ‘rap de sarau’ que – talvez graças a uma divulgação em massa – vem agradando a gregos e troianos.
No frigir dos ovos, não dá pra desmerecer a produção esmerada de Ganjaman, as letras de Criolo e o poder de fogo dos músicos que tocaram em Nó na orelha. Mas colocá-lo como acima da média ou, ainda, eleva-lo já à categoria de clássico é um pouco demais e desmerece rappers como Lurdes da Luz e Emicida, contemporâneos de Criolo com trabalhos muito relevantes na cena.
Se a classe média branca precisa de alguém que lhes diga o que ouvir para saber como são as coisas no mundo real, beleza. Logo mais chega outro porta-voz da quebrada na imprensa e de lá para seus iPads. Mas eu ainda aceito o conselho dado pelo Public Enemy lá em 1988: Don’t believe the hype!
E antes que perguntem de onde vim, cresci no Jardim Iporanga, favela ali pertinho do Grajaú e citada por Criolo em “Grajauex”.
Finalmente, alguém que pensa fora da caixa a respeito desta bola da vez! Assino embaixo tudo o que vc escreveu! Fabinho…
Opa, virgula no lugar da exclamação…